“Carla é um rosto que carrega muito do que o Rio Grande do Sul vive desde maio de 2024. O desafio de transformá-lo em uma obra de arte chegou me enchendo de gratidão.

Meu trabalho fala sobre a passagem do tempo, fala de memória, de interferências, de destruir e reconstruir, de muito do que faz a gente ser a gente. Eu vejo cada instante que vivemos e todas as experiências pelas quais passamos como camadas de seres que estão sempre em construção.

Cada obra é como uma conversa entre acaso e intenção. Processos bem planejados, como o desenho em grafite, são respondidos por experimentos e pelo inesperado. O rasgar é experimental, a tinta que corre pela água também. Cada textura que a tinta secando forma depende do clima e do ambiente. Cada cor é um registro do tempo e do espaço onde eu e a obra existimos. É como invocar o desconhecido e tudo aquilo que foge do meu controle para criar junto comigo. A vida é, afinal, feita de uma série de experiências inesperadas e das nossas respostas à elas.

Minhas figuras humanas nascem em papel vegetal, um papel translúcido, delicado, que deixa bem à mostra cada marca do seu manuseio. Me permitir rasgar um rosto que leva dias para ficar pronto é um ato de desapego. Deixar algo ir é acreditar que a gente pode encontrar um outro algo melhor. Com cada rasgo eu acredito que eu vou encontrar um caminho mais expressivo e mais rico escondido naquela imagem.

Criar o retrato da Carla nesse momento que o Rio Grande do Sul vive fala exatamente de tudo isso, sobre como no meio de uma tragédia tão grande as pessoas continuam encontrando caminhos. Como no meio do ter que deixar o que conhecemos ir há espaço para coisas bonitas despertarem, há espaço para generosidade e para encontrar o que temos de mais humano dentro de nós.”